20 abril, 2010

Helicobacter



Em 1983, foram identificados bacilos gram-negativos espiralados, semelhantes ao Campylobacter, em pacientes com gastrite tipo B. Os microrganismos foram inicialmente classificados como Campylobacter, mas foram subsequentemente reclassificados como um novo gênero, Helicobacter. A bactéria, Helicobacter pylori, foi associada a gastrite, úlcera péptica e adenocarcinoma gástrico, e linfomas de célula B do tecido linfóide associado a mucosa gástrica (MALT). Foram isoladas espécies de Helicobacter do estômago de muitos outros mamíferos (por exemplo, macacos, cães, gatos, leopardos, furões, camundongos, ratos). O trato intestinal é também colonizado por espécies de Helicobacter, incluindo Helicobacter cinaedi e Helicobacter fennelliae, que foram isolados de homens homossexuais com proctite, proctocolite ou enterite.




» Fisiologia e Estrutura

As espécies de Helicobacter são caracterizadas pela análise da sequência dos genes de RNAr 16S, pelos seus ácidos graxos celulares e pela presença de flagelos polares. Atualmente foram caracterizados 23 espécies, mas essa taxonomia está sofrendo rápidas modificações. As espécies Helicobacter possuem forma espiralada em culturas recentes, porem assumem formas cocóides em culturas mais velhas.

H. pylore é altamente móvel (motilidade em ziguezague) e produz quantidades abundantes de urease. A produção de urease é um achado consistente nas espécies de Helicobacter que colonizam o estômago de seres humanos, porém não é observada nas espécies encontradas no intestino. O gênero Helicobacter não fermenta nem oxida carboidratos, embora possa metabolizar aminoacidos por vias fermentativas. O crescimento de H. pylori e de outras espécies de Helicobacter necessita de meio complexo de cultivo suplementado com sangue, soro, carvão, amido ou gema de ovo, em condições microarifílicas (quantidade diminuída de oxigênio e aumentada de dióxido de carbono) e em uma faixa de temperatura variando de 30 a 37° C.


» Patogenia e Imunidade

A maioria das pesquisas relacionadas aos fatores de virulência nas espécies de Helicobacter focalizou o H. pylori. Múltiplos fatores contribuem para a inflamação gástrica, a alteração da produção do ácido gástrico e a destruição tecidual que são características da doença por H. pylori. A colonização inicial é facilitada pelo bloqueio da produção de ácido pela proteína inibidoa de ácido da bactéria e pela neutralização dos ácidos gástricos pela amônia produzida em decorrência da atividade da urease bacteriana. A atividade da urease bacteriana é aumentada pela proteína do choque térmico (HspB) que é co-expressada com urease na superfície bacteriana. Os microrganismos ativamente móveis podem então atravessar o muco gástrico e aderir às células epiteliais.

A lesão tecidual localizada é mediada por subprodutos da urease, mucinase, fosfolipases, e a atividade da citotoxina a urease e o lipopolissacarídio bacteriano, estimula a resposta inflamatória. H. pylori é protegido da fagocitose e da morte intracelular pela produção de superóxido dismutase e catalase. H. pylori também produz fatores que estimulam a secreção de interleucina 8 (IL-8), a produção de fator de ativação de plaqueta, que estimula a hipersecreção de ácido gástrico e a morte progamada das células epiteliais gástricas.

» Epidemiologia

Uma grande quantidade de informações sobre a prevalência de H. pylori tem sido coletada desde 1984, quando o microrganismo foi isolado pela primeira vez em cultura. A mais alta incidência de portadores é encontrada nos países em desenvolvimento, onde 70 a 90% da população são colonizadas, a maioria antes da idade de 10 anos. Ao contrário, países desenvolvidos, como os Estados Unidos, documentaram que a indicência de colonização por H. pylori em pessoas sadias é relativamente baixa durante a infância mas aumenta até aproximadamente 45% em adultos com mais idade.

Foi feita uma interessante observação a respeito da colonização por H. pylori. Esse microrganismo está nitidamente associado a doenças como gastrite, úlcera gástrica, adenocarcinoma gástrico e linfonomas MALT gástricos. Verificou-se que o tratamento de indivíduos colonizados ou infectados leva à redução dessas doenças. Entretanto, a colonização com H. pylori parece oferecer proteção contra a doença de refluxo gastroesofágico e adenocarcinomas do esôfago inferior e de cárdia gástrico. Assim, pode parecer incoveniente eliminar o H. pylori em pacientes sem sintomas da doença. Certamente, a complexa relação entre H. pylori e seu hospedeiro permanece para ser definida.

» Síndromes Clínicas

Atualmente, existem evidências clínicas definitivas de que o H. pylori é o agente etiológico em praticamente todos os casos de gastrite tipo B, e um cosenso geral de que o H. pylori constitui a causa da maioria das úlceras gástricas e duodenais, com a eliminação do microrganismo levando à cicatrização das úlceras e à redução significativa na incidência de recidiva.

A gastrite crônica é um fator de risco para o carcinoma gástrico, e assim não seria surpresa a constatação da existência de uma relação entre a infecção por H. pylori e o adenocarcinoma do corpo e do antro do estômago, mas não do cárdia (uma área do estômago que não é infectada pelo H. pylori). A colonização por H. pylori está também associada com linfomas de célula B associados ao tecido linfóide da mucosa gástrica. Apoiando a participação de H. pylori nessas neoplasisas, temos a observação de que a terapia direta contra a bactéria está associada com a regressão do linfoma.

H. cinaedi e H. fennelliae podem causar gastenterite e proctocolite com septicemia em homens homossexuais. H. cinaedi também causa celulite recorrente com febre e bactermia em pacientes imunocomprometidos.

» Diagnóstico Laboratorial

• Microscopia

H. pylori pode ser detectado por exame histológico de biopsias gástricas. Embora o microrganismo possa ser observado em amostras coradas com hematoxilina-eosina ou pelo corante de Gram, a coloração prata de Warthin-Starry é a mais sensível. A sensibilidade e a especificidade da análise histológica se aproximam de 100%.

• Teste da Urease

O teste da urease constítui o método mais rápido de decção de H. pylori. A atividade da urease pode ser medida diretamente na amostra clínica ou após o isolamento do microrganismo. A grande quantidade de urease produzida pelo microrganismo permite a detecção do subproduto alcalino em menos de 2 horas. A sensibilidade do teste direto, com amostras de biopsia, varia de 75 a 95%; entretanto, a especificidade se aproxima de 100%, e dessa maneira uma reação positiva constitui evidência convincente de infecção ativa.

• Cultura

H. pylori cresce apenas em meio enriquecido, suplementado com sangue, hemina ou carvão, em atmosfera microaerofílica. A suplementação do meio protege a bactéria dos radicais livres de oxigênio, peróxido de hidrogênio e ácidos graxos. As amostras não devem ser inoculadas em meios utilizados para o isolamento de campylobacter, uma vez que esses meios são inibidores. A cultura não é sensivel, a não ser que sejam obtidas múltiplas amostras de biopsias da muscosa gástrica. Além disso, o sucesso da cultura é influenciado pela experiência do microbiologista.

• Identificação

A identificação preliminar dos microrganismos isolados baseia-se em suas características de crescimento em condições seletivas, morfologia microscópica típica e detecção da atividade da oxidase, catalase e urease.

• Sorologia

A infecção pelo H. pylori estimula uma resposta imunológica humoral que persiste em consequência da exposição contínua à bactéria. Pelo fato de os títulos de anticorpos persistiram por muitos anos, o teste não poder ser utilizado para diferenciar uma infecção passada de uma infecção atual. Além disso, o título de anticorpo não se correlaciona com a gravidade da doença, nem com a resposta ao tratamento. Os testes são de utilidade, entretanto, para documentar exposição às bactérias, para estudos epidemiológicos ou para avaliação inicial de um paciente sintomático.

» Tratamento, Prevenção e Controle

Um grande número de antibiótico foi avaliado para o tratamento das infecções por H. pylori. A utilização de um único antibiótico associado com bismuto não foi eficaz. Os resultados mais satisfatórios na cura da gastrite ou úlcera péptica foram conseguidos com a combinação de um inibidor da bomba de prótons (por exemplo, omeprazol) e um ou mais antibióticos (por exemplo, tetraciclina, claritromicina, amoxicilina, metronidazol). Pode-se também adicionar bismuto.

Atualmente, múltiplos tratamentos estão sendo utilizados; entretanto, a terapia com a combinação de tetraciclina, metronidazol, bismuto e omeprazol por 2 semanas apresenta taxa de erradicação maior que 90%. O crescimento de resistência ao metronidazol pode necessitar a utilização de uma mistura antibiótica alternativa. As infecções causadas por H. cinaedi e H. fennelliae podem ser tratadas geralmente com ampicilina ou gentamicina.

Têm sido realizados esforços para desenvolvimento de uma vacina contra H. pylori. A urease e a proteína do choque térmico (HspB) são expressas unicamente na superfície da bactéria. Ainda não foi demonstrado o sucesso da utilização desses antígenos em uma vacina.




Fonte: Microbiologia Médica, Murray.



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